Prêmio literário que faz pensar

bruno

Participei do júri do Prêmio Pernambuco de Literatura, e chego grato ao final do processo, porque o concurso me fez refletir sobre monte de coisas. Começando pelo grande vencedor, o livro de contos Olho morto amarelo (que leva R$ 20 mil, além da publicação pela Cepe). Seu autor, Bruno Guimarães Liberal, vem de Petrolina, cidade que não tem sequer uma livraria. Realidade dividida com muitos outros brasileiros, porque o País tem cerca de 3500 livrarias, para 5564 municípios. E, na maioria dos centros urbanos, quando há bibliotecas, sabemos como sofrem problemas estruturais e de atualização. Se Bruno comprova a capacidade de um escritor superar tais dificuldades, assim como suscita discussões sobre as outras tantas “leituras” que envolvem a formação de um autor, também não deixa de ser caso excepcional, que serve de denúncia sobre a dificuldade de acesso aos livros comum a tantos brasileiros.

Na primeira fase do concurso, que recebeu 192 inscrições de 35 cidades, foram escolhidos cinco finalistas, dois do Grande Recife e três das demais macrorregiões do Estado – Zonas da Mata, Agreste e Sertão. Cada um deles receberá R$ 5 mil e também terá seu trabalho publicado pela Companhia Editora de Pernambuco. Na lista, dois nomes do Recife, e bem conhecidos, Fernando Monteiro (com o romance O livro de Corintha) e Delmo Montenegro (com os poemas de Recife, no hay), além do contista de Vitória de Santo Antão, José Walter Moreira dos Santos, com O metal de que somos feitos, do poeta de Passira, Jeilson José Ferreira da Silva, autor de Discursos e Anatomias, e do já citado Bruno Liberal.
Apesar das grosseiras simplificações que balanços deste tipo implicam, arrisco algumas impressões gerais sobre as quase duas centenas de concorrentes:

1. Grande dificuldade de quase todos foi manter a unidade da obra, eles ou começavam muito bem e decaíam, ou só cresciam do meio para o fim – e estes são os que sofrem mais em concursos literários, pois a demanda acaba naturalmente fazendo com que os jurados dediquem mais atenção aos que melhor principiam. Muito verdade que existem livros cuja presença de um único conto, de um só poema, ou mesmo de uma seção de um romance já é suficiente para que conquiste o leitor. Estamos analisando, porém, uma situação específica, de um concurso, onde, infelizmente, o pouco tempo para apreciação pode levar o júri a passar batido. Aliás, não é absurdo afirmar que ele sempre passa.

2. Muitos dos candidatos demonstram inequívoco potencial para literatura, largam imagens que ficam na memória, conseguem pensar personagens interessantes, até fogem dos lugares-comuns dos enredos de nossa produção contemporânea. Mas a realização dos projetos também deixa nítida a necessidade de terem mais acesso à informação, ao diálogo com outros escritores e com editores – desde que não seja aquele convívio que cobra sempre elogios mútuos, que gera cordiais esferas de legitimação incapazes de perceber a necessidade de críticas honestas para o crescimento de todos os envolvidos na chamada cadeia do livro.
Essas duas opiniões trazem de volta o tema da inexistência de livrarias nas cidades, lugares onde muitas vezes também não existem bibliotecas públicas. Sem falar noutra questão delicada: antigamente, jovens escritores da pequena burguesia ou das famílias mais abastadas de Pernambuco mudavam-se para o Recife, para estudar, na capital é que construíam sua trajetória. De lá para cá, com o crescimento da chamada classe média e com a interiorização do ensino, maioria fica em suas regiões de origem, longe do convívio com autores e gente do mercado editorial, sem acesso a grandes acervos de livros, a eventos, à cobertura da mídia etc. Daí a necessidade dessas políticas públicas que preencham as lacunas, desses projetos que têm sido realizados pela Coordenadoria de Literatura da Fundarpe, sempre ouvindo as demandas e sugestões dos moradores locais.

3. Um número razoável de inscritos trabalhou temas e formas já muito desgastados, como o cangaço, a seca e a poesia de cordel. Alguns deles, no entanto, partiram dessas tradições buscando atualizá-las, problematizá-las ou até parodiá-las, algo que indica uma saudável necessidade de revisitar tais fontes com outros olhos, sem se permitirem presos, mumificados antes mesmo da estreia.

4. Pela sua própria natureza reflexiva, a poesia ofereceu mais candidatos à vontade com as técnicas de composição, com as correntes e contracorrentes da literatura contemporânea, e com suas próprias necessidades autorais. Houve quantidade bem maior de projetos ingênuos e frágeis entre os prosadores, sem que isso indicasse necessariamente falta de talento. Muito do que falta vem daquelas questões ligadas ao acesso à informação e à convivência literária.

Particularmente, acho que os organizadores do Prêmio Pernambuco de Literatura devem rever a impossibilidade de escritores de fora do Estado participarem. Não que seja inválida a premiação para naturais ou radicados em cidades pernambucanas, ou a divisão dos finalistas por regiões – creio que essas iniciativas são enriquecedoras, principalmente para as comunidades mais distantes do Recife. Creio, porém, que é possível conciliar as coisas, ter na fase final a presença dos finalistas daqui e também de candidatos de todo o Brasil. Isso deixaria a coisa menos provinciana, ajudaria na divulgação do evento lá fora (o que praticamente não aconteceu), valorizaria os finalistas locais e estimularia a troca de ideias, o diálogo com outras praças e projetos de fomento à leitura, à produção e à circulação dos livros.

Provável que muita gente critique alguns dos vencedores. Isso porque, entre outras coisas, não têm acesso a todos os originais, senão perceberiam quão difícil a eleição. Contudo, há de se pensar nesses prêmios não só como lugar de ratificação de talentos como os de Fernando Monteiro e Delmo Montenegro, ou como revelação de autores como Bruno Liberal. O Prêmio Pernambuco de Literatura é lugar de provocação e de crescimento, motivação para que os escritores trabalhem, exponham-se, levem tombos, amadureçam, ressurjam. E também para nós, jurados, mostra-se oportunidade inestimável de reflexão e de reforço da paixão pela literatura.

Em tempo, e não menos importante, o Prêmio, que é uma parceria entre a Secretaria de Cultura de Pernambuco, a Fundarpe e a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), teve também as seguintes menções honrosas:

15 dias de ócio em 50 páginas - Mário Gonçalves de Barros (Recife)
A volta do rei do cangaço - Euclides José de Almeida Júnior (Capoeiras)
Adorável brinquedo - José Agassiz Vasques Macêdo (Recife)
Arremessos de um dado viciado - Ednaldo Francisco do Carmo Júnior (Paulista)
Digo que é noite - Rejane Gonçalves dos Santos (Olinda)
Memorial dos mortos - Carlos Roberto Magalhães Numeriano (Recife)
Memórias para um livro de Nina - Rejane Maria dos Guimarães Paschoal (Paulista)
O beato - Tarcízio Rodrigues da Silva (Serra Talhada)
O duende negro - Fernando Farias Guerra (Surubim)
O lume e o agreste - Fabiano Costa Coelho (Recife)
O porto distante - Paulo Afonso Correia de Paiva (Recife)
Padaria CDU - Artur Rogério Coelho de Carvalho (Recife)
Planta baixa - Cleyton José de Andrade Cabral (Recife)
Quatro cavalos - Luiz Felipe de Queiroga Aguiar Leite (Recife)
Trem do silêncio - Paulo Sérgio Ferreira da Costa (Recife)

Fonte: http://blogdecristiano.com.br/blog/

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